Introdução

Foi com muito prazer que participei no encontro designado Flash Live Event #SomosSolução, subordinado ao tema “E depois do ensino remoto de emergência?”, organizado pelos responsáveis do lançamento e dinamização do grupo E.learning de Apoio. O assunto que negociei abordar tem a ver com os meus interesses de ensino e investigação, que podem ser incluídos no domínio da “Conceção e dinamização de ambientes de ensino e aprendizagem on-line” ou, de um modo mais breve, “Ensinar e aprender on-line”.


Na minha intervenção tentei responder às questões que me foram colocadas, tendo como pano de fundo os resultados da investigação científica no domínio da aprendizagem humana que é feita por intermédio de um ensino explícito de determinados saberes e saberes-fazer, que eu designei de “aprendizagem pelo ensino” em contraponto à dita “aprendizagem natural”, quer dizer, aquela que aprendemos sem sermos diretamente ensinados (cf. Miranda, 1998). A primeira pode também ser designada de “aprendizagem pela instrução”, a que os autores anglo-saxónicos chamam de Instructional Design (ID).

Os resultados destes dois tipos de aprendizagem são diferentes e os métodos para os promover são ou deveriam ser diferentes, embora existam educadores que têm uma visão romântica sobre a aprendizagem escolar, achando que esta se deve processar como a que é feita por meio dos processos da “aprendizagem natural”. Quanto aos resultados destes dois tipos de aprendizagem o autor Geary (2007, 2008) designou-os de “conhecimento biológico primário” e de “conhecimento biológico secundário” (citado por Sweller, Ayres, & Kalyuga, 2011). Estas designações são congruentes com a abordagem darwinista adotada por estes autores para explicar a cognição e a aprendizagem humanas.

A aprendizagem escolar, como a passarei a partir de aqui a designar, precisa de determinados métodos de ensino ou de instrução para que se realize com sucesso. Está sobretudo associada ao conhecimento biológico secundário e incluiu, segundo Vygostky (1978, 1979) os saberes instrumentais (como saber ler e escrever com fluência na sua língua materna, calcular e pensar logicamente) e os saberes específicos associados a cada domínio disciplinar (como matemática, física, história, geografia, etc.).

Com este pano de fundo, na primeira parte da minha intervenção tentei responder à questão: O que mudou na passagem de um ensino presencial para um ensino on-line de emergência? Na segunda instiguei os ouvintes a pensarem sobre a pergunta: O que não pode voltar para trás? Por fim concentrei-me na questão: O que há a melhorar? Este texto está organizado do mesmo modo.


O que Mudou na Passagem do Ensino Presencial para o Ensino a Distância

Vou referir-me apenas aos professores que não tinham ou tinham pouca experiência de ensino a distância suportado em tecnologias digitais. Penso que o que aconteceu foi que muitos destes professores adquiriram um conhecimento impressionista, gerado por uma necessidade externa, do que pode ser ensinar e aprender a distância. Como muitos de vós puderam verificar alguns dos nossos comportamentos são motivados por necessidades extrínsecas e não por motivos intrínsecos, embora tenhamos tendência a valorizar os motivos intrínsecos.
Penso e espero que esta experiência de ensino on-line tenha gerado uma necessidade interna, de aprender a conceber, desenvolver e avaliar ambientes de ensino e aprendizagem virtuais de qualidade. Voltarei a este assunto mais tarde.

Parece-me ainda que esta emergência gerou um maior contacto, mesmo que virtual, com os alunos e os pais e encarregados de educação, o que me parece muito positivo. O ensino on-line não tem que necessariamente afastar os professores dos alunos e dos pais e encarregados de educação. Parece-me ainda que se conseguiu, pelo menos neste grupo de cerca de 30.000 professores, uma maior proximidade entre colegas e um espírito de colaboração e de partilha, que nenhum tratado nem ministério tinham conseguido até ao momento.

E deve haver mais aspetos que se alteraram. Deixo estes ao vosso critério e imaginação.

O Que Não Pode Voltar Para Trás


Parece-me que fruto desta experiência com os alunos, com os pais e sobretudo com os colegas da mesma profissão, a troca e partilha de conhecimentos e experiências, de dúvidas e de receios, não pode voltar para trás. Também não pode voltar para trás o não ter receio de usar as tecnologias digitais para ensinar a distância e espero que também as passem a usar no ensino presencial. Que elas passem a fazer parte dos vossos recursos educativos e das vossas estratégias de ensino. Mas, com uma experiência tão curta penso que muito há a melhorar.

O Que Há a Melhorar no Ensino On-line (e no Ensino Presencial)


Fruto da minha experiência de 17 anos de ensino on-line e de mais de 30 de ensino presencial posso afirmar que esta variável “ensino” deve ser pensada não como uma variável dicotómica (presencial vs. a distância) mais sim como uma variável contínua, que vai do totalmente presencial ao totalmente a distância, com graus diversos de ensino presencial e ensino a distância numa mesma disciplina ou curso, o designado b-learning. Isto significa que um mesmo professor ou/e uma mesma escola podem e eu penso que devem estar preparados para oferecer uma variedade de cursos e de disciplinas em diferentes regimes (que agora nos são possíveis devido às tecnologias digitais), para responder a diferentes necessidades e a públicos diversos.

Um professor deveria ser formado para saber usar as tecnologias digitais em regime presencial e também em regime totalmente a distância. Aprendi e alterei bastante as minhas práticas de ensino presencial a partir do momento que comecei a estudar e a planear as minhas aulas para serem ministradas totalmente a distância. O muito apregoado ensino centrado no aluno e no seu processo de aprendizagem, é indispensável no ensino on-line. Sem este ingrediente, os alunos on-line desmotivam-se e abandonam os cursos ou deixam de comparecer nas atividades propostas pelo professor.

Um professor que quer fazer um ensino on-line, e eu diria também, um ensino presencial, de qualidade tem que saber responder a esta questão: o que precisam de fazer os meus alunos para adquirir os saberes (conhecimentos declarativos) e os saberes-fazer (conhecimentos processuais) associados à(s) disciplina(s) que ensino? Este é um pensamento diferente do que a maioria de nós costuma ter que é: o que tenho de ensinar aos meus alunos? Este tipo de pensamento conduz geralmente ao uso quase exclusivo de aulas expositivas e muitos de vós (do que li e ouvi nas redes sociais) tentaram reproduzir este tipo de ensino no on-line, usando plataformas síncronas, onde o Zoom Colibri foi rei. Não nego a vantagem desta estratégia de ensino e ela é também necessária, como muito bem demonstrou Ausubul (1962, 1978) na sua proposta instrutiva designada de “teoria da aprendizagem significativa” e Gagné na sua “teoria das condições de aprendizagem” (1965, 1974, 1985). O professor deve ser preparado para saber expor bem, quer dizer, organizar e comunicar um determinado conhecimento disciplinar aos seus alunos. Mas as estratégias de ensino não se podem reduzir à exposição. E no ensino on-line isso é evidente. Uma aula de 3 horas, como o são a maioria no ensino presencial universitário, transforma-se no ensino on-line de qualidade, quer dizer, que mantém os alunos motivados e focados no que têm de aprender e que produz bons resultados na sua aprendizagem, numa semana de trabalho intensivo dos alunos sob a orientação do professor. No ensino on-line o centro da planificação do professor é: que atividades ou tarefas devem os alunos realizar para aprender aquilo que é necessário que aprendam? Que textos devem ler, que vídeos devem observar, que exercícios devem realizar, que casos devem analisar, em que fóruns devem participar? Etc. Como vou dinamizar estas atividades? Como vou verificar o que aprenderam? E como vou dar feedback corretivo e analítico aos trabalhos que propus que realizassem? Com estas perguntas entramos no cerne da aprendizagem pela instrução ou no Design Instrucional que, resumidamente, e na maioria dos modelos, tenta organizar o processo de ensino e aprendizagem do seguinte modo: Criando sequências de atividades, organizadas em módulos ou unidades temáticas composta no mínimo por seis ingredientes: (i) objetivos de desempenho, i.e., o que devem no final os alunos saber e saber-fazer; (ii) tarefas/atividades a realizar pelos alunos para aprender e alcançar os objetivos propostos; (iii) recursos educativos que suportem as atividades; (iv) tarefas/atividades em que os alunos mostrem o que aprenderam; (v) feedback corretivo e cognitivo feito no princípio apenas pelo professor e depois também pelos colegas, com base em critérios fornecidos pelo professor; (vi) o que vou pedir aos alunos para fazerem como avaliação classificativa, quantitativa/sumativa.

O Design Instrutivo (Instructional Design)


Como disse antes entramos no cerne do ID. Este é composto por duas abordagens complementares: Escolha de um modelo sistémico que nos diz como devemos pensar e organizar as atividades de ensino e aprendizagem e de um modelo instrutivo propriamente dito que nos dá indicações sobre o que é e em que se traduz um ensino de qualidade, quer dizer, que tem efeitos visíveis e positivos na aprendizagem dos alunos.

O modelo ADDIE.

O modelo sistémico mais antigo, conhecido e usado é o ADDIE, acrónimo de Analysis, Design, Develop, Implement, Evaluate (ver Figura 1).

Figura 1. Modelo ADDIE

Segundo este modelo, quando se quer organizar um curso ou uma disciplina ou outra atividade formativa, o (i) primeiro passo é analisar as necessidades de formação dos participantes: o que já sabem e o que precisam de aprender. Há diversas maneiras e estratégias para determinar estas necessidades. Geralmente os professores fazem testes de diagnóstico para saberem o nível em que estão os alunos à entrada. Nas empresas os ID usam entrevistas e questionários, entre outras técnicas, para saberem o que os formandos sabem e o que precisam de saber para desempenhar com sucesso a atividade requerida.

Depois desta análise é necessário (ii) planear ou conceber (design) a formação para superar as necessidades e alcançar os objetivos de desempenho desejados. Trata-se de planear a formação, explicitando os objetivos de desempenho, as atividades que os formandos/alunos devem realizar para alcançar os objetivos e o tipo de recursos educativos que devem ser usados. Nesta fase também devem ser previstas as atividades de avaliação formativa e sumativa a realizar, bem como o tipo de feedback corretivo e cognitivo a dar aos alunos.
Seguidamente passa-se ao (iii) desenvolvimento dos módulos e das atividades e ainda dos recursos em que se suportam: seleção de textos, exercícios, vídeos, casos, etc. e a sua sequenciação. Nesta fase, o apoio de um bom Web Designer é essencial. Quando não se tem, desenvolvem-se recursos amadores, como eu faço na maioria das vezes. É também nesta fase que se escolhem as plataformas ou LMS (Learning Mangement Systems) assíncrona e síncrona em que o curso, a disciplina ou a ação de formação vai ser ministrada. Eu uso neste momento a Moodle como plataforma assíncrona e a Zoom Colibri para as sessões síncronas. E concebo e reutilizo vários recursos educativos digitais: vídeos, tutoriais, aulas em PowerPoint com áudio e imagem sincronizados, textos e artigos, quizzes, fóruns, wikis, mapas conceptuais, testes de escolha múltipla, trabalhos de grupo, etc. É também nesta fase que o teste ao sistema para ver se tudo está conforme o planeado deve ser feito para verificar se tudo funciona como o previsto. O apoio de um técnico que domine o sistema ou LMS em que foi implementado o curso/disciplina/ação de formação é essencial para apoiar o professor.
Seguidamente temos (iv) a implementação ou realização docurso/disciplina/ação de formação junto do público-alvo ou dos alunos.
E por fim (v) a avaliação que está sempre presente ao longo das fases mas que no final deve ser objeto de um maior cuidado, quer para a avaliação final dos alunos quer do sistema formativo. Quanto aos alunos temos que ter claro como os vamos avaliar e qual o peso da avaliação continua e da avaliação final. Como vai ser feita esta avaliação final? O que vou solicitar aos alunos? Etc. Em relação ao sistema instrutivo o que funcionou bem, menos bem e pior e como melhorar. Aqui também se incluiu a avaliação do desempenho do professor e do sistema instrutivo (dimensão técnica e de conteúdo) pelos alunos, mediante a passagem de questionários válidos e fiáveis.

Centremo-nos agora nos modelos instrutivos propriamente ditos também designados de modelos pedagógicos. Aqui há uma grande variedade de escolha mas que odem ser incluídos em três grandes abordagens: Instrutivista, Cognitivista e Construtivista. Vou apenas abordar dois que costumo usar na planificação das minhas disciplinas e com os quais tenho também desenvolvido investigação. Ambos se integram na abordagem cognitivista. Porquê desta escolha? Porque são os que melhores resultados têm demostrado na aprendizagem dos alunos, de acordo com os resultados da investigação, sobretudo estudos meta-analíticos (cf. Costa, Moro, Miranda, & Taylor, no prelo; Costa, Miranda, & Melo, no prelo; Melo & Miranda, 2015, 2016; Hattie, 2009).

Estes dois modelos são também considerados por muitos ID (Instructional Designers) como os mais conseguidos (cf. Ouinette, Surry, Grubb, & Hall, 2009)

O modelo instrutivo de Robert Gagné: Aprendizagem cumulativa ou teoriadas condições de aprendizagem.


Segundo Gagné, para que se haja aprendizagem, sempre que se planeia uma aula, um módulo ou um curso temos que ter em atenção Nove Eventos de Instrução, a que correspondem Nove Estados Internos do Aluno.

(i) O primeiro passo é captar a Atenção do aluno, pois não há aprendizagem sem se prestar atenção ao que se deve aprender. O estado interno gerado é de Receção, quer dizer, o aluno fica recetivo para aprender
(ii) O segundo passo é comunicar o Objetivo ou Objetivos de Desempenho aos alunos, quer dizer, o que se espera que eles venham a ficar a saber e a saber-fazer. O estado interno que se deve gerar é de Expetativa, i.e., vou ou não ser capaz de alcançar esse(s) objetivo(s)
(iii) O terceiro passo é determinar os Conhecimentos Prévios dos alunos, verificar o que eles já sabem sobre o tópico a ser aprendido, estimulando a Recuperação dos conhecimentos
(iv) O quarto passo é Apresentar a Nova Informação, tendo em atenção criar indícios para estimular a Perceção Seletiva, quer dizer, onde devo focar a atenção dos alunos
(v) O quinto passo é Orientar a Aquisição da nova informação, sugerindo métodos de Codificação mais eficientes como, por exemplo, a codificação semântica
(vi) O sexto passo é Elicitar a Realização, pedindo uma Resposta aos alunos sobre o que foi aprendido
(vii) O sétimo passo é dar Feedback Corretivo e Analítico ou Cognitivo sobre as respostas dos alunos o que Reforça respostas corretas e Inibe respostas incorretas
(viii) O oitavo passo é Avaliar o Desempenho, dando uma ou mais atividades em que o aluno possa Recuperar ou Lembrar o que aprendeu
(ix) Por fim, o nono passo é Aumentar a Retenção da Nova Aprendizagem e a sua Transferência para tarefas, exercícios ou atividades similares à aprendida, garantindo a Generalização do conhecimento.

A teoria de Gagné também formula cinco categorias de resultados que se devem esperar de uma aprendizagem pela instrução conseguida ou com sucesso, qualquer que seja o domínio disciplinar ou de formação. São eles: (i) Informação Verbal (Verbal Information), (ii) Habilidades Intelectuais (Intelectual Skills), (iii) Estratégias Cognitivas (Cognitive Strategies), (iv) Habilidades Motoras (Motor Skills) e (v) Atitudes (Attitudes). Não há qualquer hierarquia nestas cinco categorias de resultados do processo instrutivo. Por exemplo, o que se espera que distinga um jovem de 17/18 anos que terminou com sucesso o 12º ano da escolaridade de um outro que não teve acesso à escola ou que a frequentou sem sucesso? Tendo como referência estas cinco categorias de resultados diria que:

(i) Tenha conhecimentos bem organizados na memória sobre vários assuntos (geografia, história, língua materna, língua estrangeira, matemática…) que incluem definições, exemplos, princípios, factos, generalizações, que os psicólogos cognitivistas designam por ‘conhecimento declarativo’ ou ‘saber que’ – Informação Verbal. Este saber é importante pois é ele que permite escrever e falar com alguma fluência sobre diversos assuntos;
(ii) Tenha adquirido um conjunto de Habilidades Intelectuais, que implicam o uso de símbolos e linguagens simbólicas como, por exemplo, os números e a língua materna para interagir com o meio. Este conhecimento implica o ‘Saber Como’ mais do que o ‘Saber Que’. É um saber operativo mais do que declarativo, implica ação e transformação. Por exemplo, quando um aluno aprende as regras da gramática e as sabe aplicar corretamente ou quando aprende símbolos matemáticos e os aplica para resolver uma equação. As Habilidades Intelectuais foram agrupadas por Gagné em cinco categorias, que vão da mais simples às mais complexas, numa progressão hierárquica, pois para um aluno saber aplicar uma ‘regra de ordem superior’, tem que ter adquirido as habilidades anteriores (ver Figura 2).

Figura 2. As cinco categorias cumulativas de Habilidades Intelectuais segundo Robert Gagné

(iii) Tenha desenvolvido Estratégias Cognitivas, que são processos que permitem ao estudante regular a sua própria aprendizagem e pensamento. O aluno usa estratégias cognitivas quando pensa sobre o que e como aprendeu numa dada aula, ou a partir da leitura de um texto ou quando resolve um problema. As estratégias cognitivas permitem ao aluno criar algo de novo com base nos mesmos elementos como, por exemplo, desenvolver um sistema da classificação eficiente dos livros ou dos ficheiros informáticos que tem no seu computador.
(iv) Tenha adquirido um conjunto de Habilidades Motoras, que lhe permita executar movimentos finos e grossos com precisão, usando as várias partes do corpo. Aprender a escrever, a tocar um instrumento, a manipular um rato, a usar um teclado ou um ecrã tátil, além de todos os movimentos amplos que se fazem quando se pratica desporto.
Este tipo de resultados da aprendizagem é fruto de muito treino e prática. A repetição (simples ou elaborada) é um bom princípio para aprender certos automatismos associadas às habilidades motoras.
(v) Tenha modelado certo tipo de Atitudes. As atitudes são predisposições para agir, são estados internos que influenciam as escolhas pessoais em termos de ações a realizar face a pessoas, objetos e situações. As atitudes podem ser positivas, negativas ou neutras e este sistema valorativo (nem sempre consciente) influencia as escolhas
pessoais. A escola também modela atitudes face a pessoas e grupos, objetos e situações.
A melhor maneira de modelar atitudes é através da aprendizagem por observação de modelos, desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Albert Bandura (1986, 1989).
Espera-se que a escola, numa sociedade com um regime político democrático, modele certo tipo de atitudes como o respeito pelas diferenças de cor, género e etnia, de orientações sexuais, desenvolva o sentido de justiça e de cidadania, o gosto pelo conhecimento, etc. Mas este saber não necessita de ser ensinado explicitamente numa disciplina mas antes experienciado a partir das várias situações sociais vividas na escola, na sala de aula e na família. Como refere Kolhberg (1973,1974) a melhor maneira de desenvolver o raciocínio e o comportamento moral das crianças e jovens é viver em comunidades justas, quer dizer, em que a justiça é aplicada e vivida nas mais variadas situações do quotidiano.

O modelo instrutivo de van Merriënboer: Four components instructional
design ou modelo 4C/ID.


Este modelo foi concebido para superar algumas das dificuldades detetadas em modelos anteriores e aplica-se a aprendizagens complexas. É um modelo com o qual tenho trabalho nos últimos anos e produzido investigação. Consultar o site: http://drle.ie.ulisboa.pt/ onde encontra alguma da nossa produção científica). É composto por quatro componentes, conforme Figura 3.

Figura 3. Representação do modelo 4C/ID

Figura 3. Representação do modelo 4C/ID

Segundo Melo e Miranda (2018, p. 2)

O modelo instrutivo de quatro componentes (4C/ID) preconiza que, para a aquisição de aprendizagens
complexas (aprendizagens que envolvem a integração de conhecimentos, competências e atitudes), são
necessários quatro componentes: (1) tarefas de aprendizagem (learning tasks), que exigem que os alunos
integrem e coordenem muitos, senão todos, os aspetos do desempenho relacionados com a resolução de
problemas e os raciocínios que lhes subjazem; (2) informação de apoio (supportive information), que serve
de auxílio à aprendizagem e à resolução das tarefas de aprendizagem e onde é apresentada a melhor
abordagem à resolução dos problemas, fazendo a ponte entre os novos conhecimentos e os conhecimentos
prévios dos alunos; (3) informação processual (procedural information) que constitui um requisito para a
realização das tarefas, por exemplo, através de um algoritmo para explicitar os aspetos rotineiros que
devem ser executados; esta informação só surge no momento exato em que o aluno necessita dela,
diminuindo desta forma a sobrecarga cognitiva; um exemplo deste tipo de informação corresponde
às mensagens que surgem do sistema de feedback corretivo e cognitivo durante a realização das tarefas de aprendizagem; e (4) prática nas tarefas (part-task practice) que são exercícios adicionais centrados
em aspetos rotineiros das tarefas e que necessitam de maior treino; este componente só é usado
quando as tarefas de aprendizagem não suscitam uma repetição suficiente para se atingir o nível de
automaticidade pretendido (van Merriënboer & Kester, 2014).

Reflexão Final


Não há aprendizagem sem esforço bem direcionado e reforçado. Do mesmo modo não há bom ensino sem o domínio, por parte do professor, da matéria e de estratégias de ensino que promovam a aprendizagem do conhecimento biológico secundário. Na atualidade diria que um bom ensino implica o uso adequado das tecnologias digitais. Acredito que é possível ensinar bem e manter os alunos focados e interessados nas matérias que à partida lhes parecem difíceis. Penso ainda que o domínio de uma diversidade de estratégias de ensino, associadas ao uso adequado das tecnologias digitais, tornam os professores mais livres para ensinar e fazer os alunos aprender. Permitem ainda responder a diferentes públicos e necessidades, desenvolvendo ambientes de aprendizagem presenciais, mistos ou em regime de b-learning e ainda totalmente a distância ou em regime de e-learning. Fruto desta minha crença e atividade organizei e publiquei um livro em 2009 intitulado “Ensino online e aprendizagem multimédia”, composto por duas partes e 12 capítulos e que em breve sairá em formato de ebook.

Para terminar, faço votos que este grupo, que se formou durante o estado de emergência, não perca o seu fulgor e continue a partilhar experiências e a cooperar.

Referências


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Acessível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rist/n18/n18a09.pdf
Melo, M., & Miranda, G. L. (2018). Modelo instrutivo 4C/ID: efeitos sobre as abordagens à aprendizagem de alunos do 9ºano. Análise Psicológica, 36(3), 261-278.
Acessível em. http://publicacoes.ispa.pt/index.php/ap/article/view/1293
Miranda, G. L. (Org.) (2009). Ensino online e aprendizagem multimédia. Lisboa: Relógio d’Água Editores.
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Guilhermina Miranda

Guilhermina Lobato Miranda, é psicóloga de formação e Professora no Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, onde coordena o Doutoramento em Educação, especialidade em Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação. Atua na área da Educação, em particular nos domínios da Psicologia da Educação e da Tecnologia Educativa. Os seus interesses de ensino e investigação situam-se na confluência destes dois grandes domínios e em particular na Conceção de Ambientes de Aprendizagem suportados em tecnologias. Estes ambientes podem ser em regime presencial, b-learning ou e-learning. As bases conceptuais da investigação que realiza e orienta são as teorias da aprendizagem e da instrução (instructional design) e em particular a Teoria Cognitiva da Aprendizagem Multimédia de R. Mayer e a Teoria da Carga Cognitiva de Sweller e Chandler e ainda alguns modelos instrutivos como o 4C/ID, desenvolvido por van Merriënboer. Interessa-se ainda pela comunicação das emoções mediada por computador.

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