Transcrição resumida da minha apresentação no Flash Live Event #somossolução do grupo e-Learning Apoio do Facebook sobre o tema “E Depois do Ensino Remoto de Emergência?”

Como prometido, farei o ponto da situação sobre o período de ensino remoto de emergência que as escolas atravessaram até hoje e abordarei de seguida alguns dos desafios que penso que se colocam para setembro.

1. Ponto da situação

O período de ensino remoto de emergência foi uma experiência única e muito difícil para crianças, famílias e pais. Para os professores, para além de difícil, foi muito trabalhosa. No entanto, tal como acontece com todas as experiências únicas e difíceis, foi cheia de ensinamentos.

Para muitos professores, foi a experiência de se conhecerem a si próprios perante grandes dificuldades, e vencerem essas dificuldades. Para outros professores, foi a experiência de pensarem a educação de outras formas e tentarem, em conjunto, construir o impossível, e conseguirem. Para alguns professores, foi o primeiro contacto com o vasto mundo de uma educação que se projeta para o futuro, muito para além das rotinas do dia-a-dia.

Como é habitual, os jornais e os comentadores limitaram-se a encontrar falhas. Não repararam, por isso, que algo de grande e inédito se passou neste período em Portugal: a fortíssima auto-mobilização dos professores, que talvez tenha colocado o nosso país na linha da frente mundial da capacidade de resposta ao fecho das escolas.

Em vez de baixarem os braços, como seria de esperar face à inação do ministério, os professores juntaram-se nas redes sociais e, em 14 de Março, no dia seguinte ao fecho das escolas, criaram no Facebook, por sua livre iniciativa, o grupo “E-learning – Apoio”, dedicado à ajuda entre professores. O grupo regista hoje quase 30000 membros e uma atividade intensa e ininterrupta de ajuda entre professores.

Era interessante sabermos quantos países poderão gabar-se de que um terço dos seus professores, totalizando dezenas de milhares, se auto-organizaram espontaneamente para se ajudarem uns aos outros, transformando o grupo num curso online gigantesco de formação mútua em exercício, à altura dos maiores MOOCs do mundo.

Por todas estas razões, o meu ponto da situação é muito positivo.

2 . Desafios para setembro

2.1. Desafios que envolvem os alunos

2.1.1. Recuperar os saberes de forma atraente. O grande desafio da recuperação dos saberes é o de tentar fazê-lo de formas aliciantes, apesar de durar cinco semanas, para que os alunos não percam o entusiasmo do regresso. Neste aspeto, o online tem um papel complementar a desempenhar, permitindo disponibilizar à distância materiais e desafios. Também valerá a pena recorrer à colaboração entre alunos, em pares ou em pequenos grupos, a partir de casa, segundo modalidades de aprendizagem entre pares (peer learning), cujo potencial é desconhecido de muitos, porque não é praticável presencialmente nas escolas, mas que é fácil de explorar à distância.

2.1.2. Acudir às desigualdades. A superação das desigualdades exige um esforço muito grande. Algumas das dificuldades relativas a equipamentos e acesso já foram entretanto resolvidas, e haverá que consolidar agora as práticas que lhes estão associadas. Também aqui, e mesmo para crianças com dificuldades naturais de aprendizagem, o online tem demonstrado poder ser útil, por exemplo, em situações de défice de atenção e excesso de atividade.

2.1.3. Construir autonomia. Agora, que ficou ainda mais clara a necessidade de autonomia na aprendizagem, há que introduzi-la como pano de fundo permanente nas agendas educativas.

2.1.4. Desenvolver comunidade. Agora, que ficou mais clara a necessidade de partilha e ajuda mútua, há que introduzi-la também como pano de fundo permanente nas agendas da educação.

2.2. Desafios que envolvem as escolas

2.2.1. Prolongar a escola para a distância. Importa constituir em cada escola uma cultura e uma infraestrutura tecnológica que a prolonguem para o espaço online.

2.2.2. Fortalecer o ecossistema. O Programa de Estabilização Económica e Social deveria equipar as escolas com servidores, equipamentos, software e acesso Internet que as prolongue com qualidade para a distância. Deveria, além disso, assegurar acesso Internet generalizado a alunos e professores e adquirir telemóveis com boas especificações para os alunos cujas famílias não possam fazê-lo.

2.2.3. Desenvolver geometrias variáveis. As escolas têm de organizar-se de forma a poderem explorar geometrias variáveis no uso dos espaços, dos tempos e dos equilíbrios entre presencial e online.

2.3. Desafios que envolvem os professores

2.3.1. Consolidar comunidade. Prosseguir a entre-ajuda entre professores, consolidando as orgânicas dessa entre-ajuda.

2.3.2. Desenvolver profissionalmente. Para muitos professores, a colaboração durante o ensino remoto de emergência serviu para apagar fogos. Agora, importa que assegure mais serenamente a consolidação profissional e a valorização de cada um e de todos os professores.

2.3.3. Fazer balanços e investigar. O ensino remoto de emergência teve características únicas. Há que identificar agora o que pode ser superado e melhorado já a partir de setembro. Há também um manancial inesgotável de dados para o estudo científico destas novas realidades, que poderá ser feito por equipas mistas de professores e investigadores.

2.3.4. Afirmar opinião. Uma comunidade como esta, com dezenas de milhares de professores, tem uma enorme autoridade profissional e moral, que foi claramente afirmada neste período. Seria útil transformar esse capital num fórum nacional de opinião sobre as grandes questões da educação no Portugal de hoje e do futuro.

Artigo publicado originalmente em http://adfig.com/pt/?p=585

António Dias Figueiredo

Professor catedrático aposentado do Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de
Informática e Sistemas da Universidade de Coimbra, onde se dedica à investigação em
“Sistemas de Informação nas Organizações”, “TIC na Educação e Aprendizagem”,
“Estratégia e Qualidade na Educação Superior”, “Epistemologias da Prática (em
Engenharia, Design e Educação)” e “Métodos de Investigação”. Exerce também
atividade de consultoria em regime independente. Licenciou-se em Engenharia Electrotécnica pela Universidade do Porto em 1970, doutorou-se em “Computer Science” pela Universidade de Manchester em 1976 e obteve Agregação em Engenharia Informática pela Universidade de Coimbra em 1982. Entre 1984 e 2007, ano em que se aposentou, foi professor catedrático do Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra, que fundou e ao qual presidiu até Março de 1997.

Ver publicações

Vídeos Recentes

Newsletter

Siga-nos

Siga-nos nas principais redes sociais.